CÁRMEN LÚCIA

Cármen Lúcia, ministra do STF

Cármen Lúcia Antunes Rocha nasceu em Montes Claros, no norte de Minas Gerais, no dia 19 de abril de 1954, porém, foi criada na cidade de Espinosa, onde sua família reside até os dias atuais. Carmen Lúcia é a  terceira filha de Florival Rocha e Anésia Antunes Rocha (falecida) e foi criada com muita disciplina, ao lado dos seis irmãos. Ainda hoje, com mais de noventa anos, seu pai vive na comunidade de Espinosa, onde mantém uma loja comercial e é considerado por todos um cidadão especial. A ministra é solteira e não tem filhos, mas  considera uma grande obra de seus pais terem conseguido conduzir uma família extensa, unida em laços de fraternidade.

 

Aos dez anos, Cármen Lúcia deixou a casa dos pais e mudou-se para Belo Horizonte/MG, passando a residir em um tradicional colégio interno da capital, o  Sacré-Coeur de Jésus, conhecido pelo rigor educacional. Desde cedo, portanto, a ministra teve de desenvolver certa independência. Também em razão dessa experiência se desenvolveu o gosto pela leitura, tendo em vista a esplêndida biblioteca da instituição. Nesta época, sempre passava as férias com a família e era frequentemente designada pela mãe para escrever cartas para as pessoas  analfabetas da comunidade, sob o argumento de que aqueles que têm melhores oportunidades na vida, devem oferecer mais aos menos afortunados.

 

Do internato, de viés católico, a ministra seguiu direto para o curso de direto da PUCMinas, instituição pela qual optou mesmo tendo sido aprovada no concurso vestibular  para o mesmo curso na Universidade Federal de Minas Gerais. Sua trajetória estudantil foi intensa, considerando que, nesta época, tendo em vista o regime ditatorial estabelecido no país, havia um controle rigoroso sobre as universidades e os estudantes eram obrigados a ler muitas obras às escondidas. A ministra chegou a declarar que neste período “todos lutavam juntos para que o Brasil desse certo e tivessem um mundo solidário”. Desde o terceiro ano do curso, concentrou-se em Direito Constitucional, tendo se formado bacharel em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, em 1977. 

 

Em 1979, fez Especialização em Direito de Empresa pela Fundação Dom Cabral onde  começou a frequentar seminários sobre Direito Administrativo. Logo após, em 1980, iniciou seu mestrado em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), apresentando defesa de sua dissertação em 1982, com o título “Do Município do Sistema Constitucional Brasileiro”.

 

Começou doutorado pela Universidade de São Paulo (USP) em 1983, orientada pelo professor Dalmo de Abreu Dallari, na área de Direito e Estado. Cármen Lúcia iniciou suas atividades profissionais como estagiária no serviço de assistência judiciária da PUC-Minas, e mais tarde dedicou-se a advocacia privada em um escritório em Belo Horizonte. Em 1983, prestou concurso para Procuradoria do Estado de Minas Gerais e, aprovada, passou a atuar no ramo do Direito Administrativo - área que teve influência importantíssima sobre sua vida profissional – sob a chefia de José Olímpio de Castro Filho, que era para ela, uma fonte de inspiração intelectual. Posteriormente, durante o governo de Itamar Franco (1999-2003), foi nomeada Procuradora-geral do Estado de Minas Gerais.

 

Ademais, exerceu a docência no ensino superior, como titular de Direito Constitucional na Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), de 1983 a 2005, tendo vindo a assumir a Coordenação do Núcleo de  Direito Constitucional. Como docente, atuou no sentido de formar profissionais comprometidos e aptos a exercer sua profissão de forma a não prejudicar a sociedade, de acordo com o que acredita ser o papel das instituições de ensino superior. Nesse sentido, a ministra também já se manifestou favoravelmente ao exame realizado pela Ordem dos Advogados do Brasil como requisito para pertencimento em seus quadros, pois – entende- amplia a garantia de qualificação dos profissionais que irão atuar em defesa dos indivíduos e grupos sociais, na sociedade.

 

A ministra publicou seu primeiro livro aos 31 anos e demonstra enorme satisfação na produção das obras, pois considera a escrita um encontro dela com si mesma. Vários são os títulos jurídicos de sua autoria, concentrados nas áreas de Direito Constitucional e Direito Público. Assim, “O Princípio Constitucional da Igualdade” (Ed. Lê, Belo Horizonte, 1990), “Constituição e Constitucionalidade” (Ed. Lê, Belo Horizonte, 1991), “Princípios Constitucionais da Administração Pública” (Ed. Del Rey, Belo Horizonte, 1994), “Estudo sobre Concessão e Permissão do Serviço Público no Brasil” (Ed. Saraiva, São Paulo, 1996), “República e Federação no Brasil” (Ed. Del Rey, Belo Horizonte, 1997), “Princípios constitucionais dos servidores públicos” (Ed. Saraiva, São Paulo, 2000), “Direito de/para Todos” (Ed. Fórum, Belo Horizonte 2004). 

 

Além dos livros, publicou também inúmeros artigos em revistas especializadas, além de haver colaborado em obras coletivas, por vezes com a coordenação e outras com a produção de capítulos, títulos, etc.

 

A ministra foi membro da Comissão de Reforma Constitucional da Seccional Mineira da Ordem dos Advogados do Brasil, em 1993, tendo integrado, de 1994 a 2006, a Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Ademais, foi membro efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, e diretora da revista desta mesma instituição, além de membro e fundadora do Instituto de Defesa das Instituições Democráticas – IDID, em 1997. Integrou, ainda, o Conselho Editorial da Revista Interesse Público e do Boletim NDJ, além de membro da Academia Internacional de Direito e Economia em 2007 e, finalmente, diretora da Escola Judiciária Eleitoral do Tribunal Superior Eleitora, em 2008.

 

Cármen Lúcia foi indicada para o cargo de minstra do Supremo Tribunal Federal em 10 de maio de 2006 pelo então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Foi sabatinada no dia 17 de maio de 2006, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), ocasião em que foi acompanhada pelo ex-presidente nacional da OAB, Roberto Busato. No dia 21 de maio de 2006, tomou posse como ministra, sendo a segunda mulher a ocupar um cargo na mais alta Corte da Justiça do país, em substituição ao ministro Nelson Jobim, em virtude de sua aposentadoria. Sua indicação foi aprovada pelo Senado, com apenas 01 voto contrário e nenhuma abstenção.

 

Como ministra do STF Cármen Lúcia atuou em importantes questões, de grande repercussão, como no julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 153), proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que pedia a revisão da Lei da Anistia para que dela fosse retirado o perdão aos agentes do Estado que cometeram crimes contra os opositores do regime militar (ditadura). Nesta ocasião, a ministra acompanhou o voto do relator ministro Eros Grau, pela manutenção da Lei da Anistia e improcedência da ADPF 153, pois para ela a lei foi fruto de um acordo entre vários ramos da sociedade em um período de transição para o regime democrático e, como peça político-jurídica da história brasileira não poderia ser alterada pela via judicial, trinta anos depois. Contudo, pontuou que apesar de a lei ter anistiado autores de crimes políticos, o Estado não se exime da responsabilidade pelo ocorrido durante o regime militar.

 

Por oportunidade da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 101), que tratava da importação de pneus usados para a recauchutagem no Brasil, a ministra relatora votou pela sua admissibilidade, proibindo a importação de pneus usados, considerando que causavam grande prejuízo ao meio ambiente e não tinham uma finalidade econômica relevante. Na ocasião, convocou Audiência Pública, por entender que as questões técnicas que envolviam o assunto necessitavam de uma compreensão maior, a qual deveria ser trazida por especialistas ao debate.

 

No julgamento do RE 630147, a ministra votou pela aplicabilidade imediata da Lei da ficha limpa - já nas eleições de 2010 – sob o argumento de que não influenciava no processo eleitoral. Já no caso do julgamento do pedido de extradição de Césare Battisti, formulado pelo governo Italiano, a ministra posicionou-se pela extinção da extradição.

 

Em 19 de novembro de 2009 a ministra foi nomeada para o Supremo Tribunal Eleitoral (TSE), em substituição ao ministro Joaquim Barbosa, que renunciou ao cargo por motivos de saúde. A partir de 14 de fevereiro de 2011 passou a presidir a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal.

 

Em relação ao cargo que ocupa na mais alta Corte do país, a ministra já declarou sentir-se honrada, apesar de avaliar que se trata de um “encargo pesado”, pois, segundo entende, é necessário que se abra mão da liberdade individual e de alguns desejos pessoais para exercer um cargo público de grande visibilidade, uma vez que tarefas simples do cotidiano de uma pessoa pública podem ter um grau de exposição acima do normal e eventualmente serem mal interpretadas pelos seus observadores, que podem criticar ou levantar alguma desconfiança. Na visão da ministra, os ministros são, em parte, responsáveis pela imagem do poder judiciário brasileiro, que tem um papel a cumprir no processo democrático, dado que a democracia sobrevive da confiança do povo nas instituições e naqueles que as compõe.

 

No que diz respeito às propostas de reforma do judiciário, que envolvem modificações no processo de indicação e ocupação dos cargos, a ministra se apresenta simpática, embora contida. É favorável, por exemplo, à extinção da vitaliciedade – e conseqüente instituição de mandato temporário para o cargo de ministro do Supremo, com tempo de permanência variando entre 9 (nove) e 12 (doze) anos. Com isso, pensa poder minimizar a confusão entre as necessidades do cargo e as inspirações pessoas dos que o ocupam. É contrária, contudo, à proposta de que a indicação dos ministros seja feita pelo Congresso Nacional, pois pondera que poderia se instituir uma “troca de favores” nada salutar; para ela é necessária uma melhor reflexão sobre as alternativas.

 

Em relação ao protagonismo do judiciário brasileiro, a ministra pondera que a Constituição traz claro e vigente o principio da separação dos poderes, e que a atuação do Supremo Tribunal Federal não pode mitigá-lo, mas, ao contrário, deve ser o primeiro órgão ao cumpri-lo. 

 

Cármen Lúcia tem dois temas de sua predileção: controle de constitucionalidade, que pode envolver o debate acerca da efetiva aplicação do texto constitucional, e serviço público, que está diretamente ligado ao modelo de estado e, consequentemente, de administração, desejados. Ela declara, em relação aos direitos fundamentais, que é obrigação do estado efetivá-los, especialmente em benefício dos mais necessitados: "Se isto não mudar, o Brasil sempre terá várias categorias de cidadão", assevera a ministra.